Uma Análise Multidimensional dos Sinais de Governação e Desgovernação.

31-07-2024

Introdução 

A governança, entendida como o conjunto de processos, estruturas e práticas que orientam a gestão e a tomada de decisão nas diversas organizações, é uma caraterística fundamental presente em diferentes esferas da sociedade, incluindo empresas privadas, estruturas familiares, igrejas, organizações não-governamentais (ONGs) e instituições políticas. Para avaliar a eficácia e a qualidade da governação, é essencial adotar uma abordagem multidimensional que considere as perspectivas económica, social, antropológica e filosófica. Este quadro fornece uma visão abrangente dos sinais de boa e má governação, analisando os seus impactos em diferentes contextos.


Perspetiva económica 

Boa governação:

1. Gestão eficiente dos recursos: A boa governação económica caracteriza-se por uma afetação eficiente e sustentável dos recursos, incluindo orçamentos equilibrados, uma gestão responsável da dívida pública e investimentos estratégicos. Joseph Stiglitz salienta que a gestão económica tem um impacto direto na prosperidade e no bem-estar dos cidadãos (Stiglitz, 2002).

2. Estabilidade e crescimento: Os indicadores de boa governação incluem um crescimento económico estável, uma inflação controlada, uma taxa de desemprego baixa e uma balança comercial equilibrada. De acordo com Paul Krugman, "uma economia estável e em crescimento é essencial para o bem-estar de uma nação" (Krugman, 1994).


Má governação:

1. Corrupção e má gestão: A má governação revela-se através de práticas corruptas, desperdício de recursos públicos, projectos mal concebidos e falta de transparência. Robert Klitgaard afirma que a corrupção mina a confiança pública e a eficácia das instituições (Klitgaard, 1988).

2. Crises recorrentes: A má governação é marcada por crises económicas frequentes, inflação galopante, desemprego elevado e dívida pública insustentável. Reinhart e Rogoff (2009) argumentam que a má gestão económica conduz frequentemente a crises financeiras recorrentes, comprometendo a estabilidade económica.


Perspetiva social

Boa governação:

1. Inclusão e equidade: Uma governação social eficaz promove a inclusão social e a equidade, garantindo o acesso universal a serviços essenciais como a educação, a saúde e a segurança. Amartya Sen defende que o desenvolvimento deve promover as liberdades substantivas, incluindo a equidade social (Sen, 1999).

2. Participação cívica: Uma sociedade bem governada incentiva a participação cívica e o envolvimento da comunidade, reflectindo as necessidades e aspirações da população. Robert Putnam (2000) observa que uma forte participação cívica reforça a democracia e a coesão social.


Má governação:

1. Desigualdade e exclusão: A má governação social manifesta-se na desigualdade de rendimentos, na exclusão social e na marginalização das minorias. Thomas Piketty observa que a desigualdade extrema é prejudicial à coesão social e à estabilidade política (Piketty, 2013).

2. Desconfiança nas instituições: A má governação é acompanhada de desconfiança nas instituições, apatia política e baixa participação cívica.


Perspetiva antropológica

Boa governação:

1. Respeito pelas culturas e tradições: Governar bem implica reconhecer e respeitar as diversas culturas, tradições e identidades. Clifford Geertz salienta que as culturas são sistemas de significado que devem ser respeitados (Geertz, 1973).

2. Adaptabilidade e resiliência: As sociedades com boa governação demonstram adaptabilidade e resiliência, preservando e reforçando os valores culturais. James Scott (1998) argumenta que a adaptabilidade e a resiliência são cruciais para a sobrevivência das culturas face à mudança e à crise.


Má governação:

1. Erosão cultural: A má governação pode levar à erosão cultural, negligenciando ou suprimindo as tradições e identidades locais, causando tensões sociais.

2. Conflitos de identidade: A falta de governação pode exacerbar os conflitos identitários e étnicos, resultando em divisões e violência. Fredrik Barth argumenta que os conflitos étnicos são exacerbados por políticas que não reconhecem a diversidade cultural (Barth, 1969).


Perspetiva filosófica

Boa governação:

1. Justiça e ética: A boa governação baseia-se em princípios de justiça e ética, sendo as decisões tomadas com base na equidade, no respeito pelos direitos humanos e no bem comum. John Rawls afirma que uma sociedade justa é organizada de acordo com princípios aceites por todos (Rawls, 1971).

2. Transparência e responsabilidade: Governar eticamente implica transparência e responsabilização dos líderes perante os cidadãos. Mark Bovens (2007) salienta que a transparência e a responsabilização são fundamentais para a confiança do público e a legitimidade das instituições.

Má governação:

1. Cinismo e oportunismo: A má governação filosófica é caracterizada pelo cinismo, em que as decisões são guiadas por interesses pessoais. Hannah Arendt salienta que o cinismo político mina a confiança pública (Arendt, 1963).

2. Falta de valores morais: A ausência de valores morais na política leva a uma perda de confiança e legitimidade, resultando em desrespeito pelas leis e normas sociais.

A governação em diferentes estruturas

A governação é crucial não só na administração pública, mas também nas empresas privadas e nas estruturas familiares.

Empresas privadas:

1. Governação corporativa: As empresas bem governadas adoptam práticas de transparência, responsabilidade e equidade. Michael Jensen sublinha a importância do governo das sociedades para a criação de valor a longo prazo (Jensen, 1993).

Estrutura familiar:

1. Gestão familiar: A gestão familiar implica uma distribuição equitativa das responsabilidades e uma comunicação aberta. Bronfenbrenner sublinha que uma dinâmica familiar saudável promove um desenvolvimento positivo e a coesão familiar (Bronfenbrenner, 1979).

uma governação eficaz, caracterizada pela transparência, justiça e inclusão, é uma condição prévia para o desenvolvimento sustentável e a coesão social em todas as esferas da vida.


Conclusão

A análise multidimensional da governação revela a importância de identificar e compreender os sinais de boa e má governação em várias esferas da vida. Uma governação eficaz é fundamental para satisfazer as necessidades da população, garantir o desenvolvimento sustentável e a coesão social.

Referências

Arendt, H. (1963). On Revolution. Viking Press.

Barth, F. (1969). Ethnic Groups and Boundaries: The Social Organization of Culture Difference. Little, Brown and Company.

Bovens, M. (2007). Analyzing and Assessing Accountability: A Conceptual Framework. European Law Journal, 13(4), 447-468.

Bronfenbrenner, U. (1979). The Ecology of Human Development: Experiments by Nature and Design. Harvard University Press.

Geertz, C. (1973). The Interpretation of Cultures: Selected Essays. Basic Books.

Jensen, M. C. (1993). The Modern Industrial Revolution, Exit, and the Failure of Internal Control Systems. Journal of Finance, 48(3), 831-880.

Klitgaard, R. (1988). Controlling Corruption. University of California Press.

Krugman, P. (1994). Peddling Prosperity: Economic Sense and Nonsense in the Age of Diminished Expectations. W.W. Norton & Company.

Piketty, T. (2013). Capital in the Twenty-First Century. Harvard University Press.

Putnam, R. D. (2000). Bowling Alone: The Collapse and Revival of American Community. Simon & Schuster.

Rawls, J. (1971). A Theory of Justice. Harvard University Press.

Reinhart, C. M., & Rogoff, K. S. (2009). This Time is Different: Eight Centuries of Financial Folly. Princeton University Press.

Scott, J. C. (1998). Seeing Like a State: How Certain Schemes to Improve the Human Condition Have Failed. Yale University Press.

Sen, A. (1999). Development as Freedom. Oxford University Press.

Stiglitz, J. E. (2002). Globalization and Its Discontents. W.W. Norton & Company.

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