
Os sismos não matam.
Introdução
Os sismos, fenômenos naturais inevitáveis causados pelo movimento das placas tectônicas, têm sido estudados ao longo da história pela humanidade para entender e mitigar seus efeitos devastadores. Contudo, um dos maiores equívocos sobre sismos é a crença de que eles são os responsáveis diretos pelas tragédias que destroem cidades e tiram vidas humanas. Na realidade, o perigo maior está na vulnerabilidade das infraestruturas construídas pelo homem e na falta de preparação para enfrentar esses eventos. Este artigo explora a tese de que "os sismos não matam, o que mata são as construções", enfatizando a importância de normas rigorosas de construção e infraestruturas resilientes para prevenir desastres.
A perceção comum de que os sismos são assassinos em massa está enraizada na consciência coletiva, reforçada por imagens de cidades em ruínas e corpos sob escombros. No entanto, uma análise mais aprofundada revela que os fatores humanos, como a qualidade das construções e a implementação de normas de segurança sísmica, são cruciais na transformação de um sismo em desastre. Em sociedades onde essas medidas são rigorosamente aplicadas, os sismos resultam em menos perdas humanas e materiais.
O conceito de que "os sismos não matam" é ilustrado por exemplos históricos e contemporâneos. O terramoto de magnitude 7,0 que abalou o Haiti em 2010 foi devastador principalmente pela fragilidade das construções e pela ausência de normas de segurança, resultando na morte de mais de 200.000 pessoas. Em contraste, o Japão, um dos países mais sismicamente ativos do mundo, conseguiu reduzir significativamente as mortes e danos através de normas rigorosas de construção e tecnologias avançadas de engenharia sísmica.
O terramoto de Kobe, em 1995, foi um marco para o Japão, levando a uma revisão das normas de construção e à introdução de tecnologias de ponta para proteger as infraestruturas. Embora tenha causado a morte de mais de 6.000 pessoas, o número de vítimas seria muito maior sem as melhorias nas normas de construção nas décadas anteriores. Esse evento destacou a importância de seguir os mais elevados padrões de segurança em regiões propensas a sismos.
A comparação entre o Haiti e o Japão mostra que a diferença entre um sismo devastador e um gerível não está na magnitude do evento, mas na preparação da sociedade. No Haiti, onde a pobreza e a falta de governança dificultam a aplicação de normas adequadas, até um sismo moderado pode ser catastrófico. Em contrapartida, no Japão, a engenharia sísmica integrada ao planejamento urbano limita as mortes e os danos estruturais, mesmo em grandes sismos.
A questão das construções não é apenas técnica ou de engenharia, mas também envolve fatores sociais, econômicos e políticos. Em muitos países em desenvolvimento, a falta de recursos financeiros e humanos impede a implementação de normas adequadas. A corrupção no setor da construção também compromete a segurança, com a utilização de materiais de baixa qualidade e a violação de normas, colocando vidas em risco e agravando os efeitos dos sismos.
A educação pública é outro fator crucial na mitigação dos efeitos dos sismos. Em sociedades onde as pessoas estão bem informadas sobre como reagir durante um sismo, o número de vítimas pode ser significativamente reduzido. No Japão, as crianças aprendem desde cedo a procurar abrigo e a evacuar edifícios de forma ordenada. Em contraste, em países onde a educação sobre sismos é limitada, o pânico e a desorganização podem aumentar as vítimas.
Em agosto de 2024, um sismo de magnitude 5.1 sentido em Portugal reforçou a relevância desta questão. Mónica Amaral Ferreira, especialista em resistência sísmica, destacou que, apesar dos alertas, Portugal continua a cometer erros graves na construção de infraestruturas cruciais, como hospitais, sem as devidas proteções contra sismos. Este artigo, portanto, explora as diferentes dimensões da preparação para sismos, abordando a importância de normas rigorosas, educação pública e as barreiras que impedem a implementação dessas medidas, demonstrando que, embora os sismos sejam inevitáveis, as catástrofes resultantes são muitas vezes evitáveis.
Desenvolvimento
Definição de Sismo
Os sismos, também conhecidos como terramotos, são movimentos vibratórios da crosta terrestre causados pelo repentino deslocamento de grandes blocos rochosos ao longo de falhas geológicas. Este fenómeno natural é resultado da libertação de energia acumulada devido ao movimento das placas tectónicas. Quando essa energia é libertada, ela propaga-se em ondas sísmicas, que podem ser sentidas à superfície da Terra como tremores de maior ou menor intensidade. A magnitude de um sismo é medida através da escala de Richter, enquanto os seus efeitos na superfície são avaliados pela escala de Mercalli Modificada. Embora sejam fenómenos naturais comuns, a forma como afetam as sociedades humanas depende de diversos fatores, como a proximidade do epicentro, a profundidade do foco sísmico, a densidade populacional da área afetada e, crucialmente, a qualidade das infraestruturas.
Historicamente: Os Sismos Não Matam
Ao longo da história, os sismos têm sido responsáveis por grandes destruições e perda de vidas humanas. No entanto, é importante sublinhar que, na sua essência, os sismos não são, por si só, mortais. O que realmente determina a magnitude da tragédia associada a um sismo é a forma como as sociedades humanas estão preparadas para enfrentar este tipo de fenómeno. Historicamente, regiões onde as construções são robustas e seguem normas rigorosas de engenharia têm sofrido menos perdas em comparação com áreas onde as infraestruturas são fracas ou mal concebidas.
Por exemplo, o terramoto de Lisboa de 1755, um dos mais devastadores da história europeia, resultou na morte de cerca de 60.000 pessoas. A maior parte das mortes foi causada pelo colapso de edifícios e pelo tsunami que se seguiu, demonstrando que a verdadeira causa de mortalidade estava mais relacionada com a vulnerabilidade das construções e a falta de preparação da cidade do que com o sismo em si.
Em contrapartida, o Japão, um país com uma longa história de sismos, desenvolveu ao longo dos anos uma infraestrutura altamente resistente. Após o grande terramoto de Kanto em 1923, que causou destruição maciça, o Japão reformulou as suas normas de construção e investiu em tecnologias de engenharia sísmica de ponta. Como resultado, os sismos subsequentes, embora poderosos, causaram significativamente menos danos e mortes. A capacidade do Japão de minimizar as consequências de sismos devastadores através da implementação de normas rigorosas e de uma cultura de preparação é um exemplo claro de que os sismos não precisam de ser mortais.
O que Mata são as Construções
A vulnerabilidade das construções é o principal fator que transforma um sismo num desastre. Edifícios mal projetados, construídos com materiais de baixa qualidade ou em áreas propensas a deslizamentos de terra, são particularmente suscetíveis ao colapso durante um sismo. Quando estas infraestruturas falham, as consequências podem ser catastróficas, resultando em elevado número de mortos e feridos, além de danos materiais significativos.
O terramoto de magnitude 7,0 que abalou o Haiti em 2010 é um exemplo trágico desta realidade. Porto Príncipe, a capital haitiana, foi construída com pouco respeito pelas normas de segurança sísmica, resultando na destruição massiva de edifícios e na morte de mais de 200.000 pessoas (EERI, 2010). Esta catástrofe não foi causada exclusivamente pela força do sismo, mas sim pela fragilidade das construções, que não estavam preparadas para resistir ao tremor.
Em contraste, países como o Japão, que têm investido em infraestruturas resilientes e tecnologias de construção avançadas, conseguem limitar significativamente as consequências de sismos de magnitude semelhante. A diferença nos resultados sublinha a importância crítica de construir de acordo com normas que levem em consideração os riscos sísmicos.
Em Portugal, a especialista em resistência sísmica Mónica Amaral Ferreira sublinhou esta realidade ao comentar sobre o sismo de magnitude 5.1 que atingiu o país em agosto de 2024. Ferreira destacou que "os sismos não matam, o que mata são as construções", alertando que, apesar de mais de 20 anos de avisos, o país continua a construir infraestruturas cruciais, como hospitais, sem as devidas proteções sísmicas (Ferreira, 2024). Esta afirmação ressalta a negligência existente na aplicação de normas de construção adequadas, especialmente em edifícios que são essenciais durante crises, como os hospitais.
"A verdadeira tragédia dos sismos não reside no tremor da terra, mas na fragilidade das construções humanas que colapsam sob o peso da negligência."
"Os sismos são inevitáveis, mas as catástrofes que deles resultam são muitas vezes fabricadas pela mão humana, quando optamos por construir sem considerar o poder da natureza."
Alertas que são Dados
Nos últimos anos, especialistas em engenharia sísmica e autoridades governamentais têm repetidamente alertado sobre a necessidade de reforçar as construções e adotar práticas de construção mais seguras em regiões propensas a sismos. Estes alertas são baseados em estudos científicos que mostram que é possível minimizar significativamente os danos causados por sismos através da aplicação de normas de construção adequadas e da modernização das infraestruturas existentes.
No entanto, apesar destes avisos, muitos países, incluindo Portugal, têm falhado em implementar as mudanças necessárias. Em agosto de 2024, após o sismo de 5.1 que abalou Portugal, Mónica Amaral Ferreira, uma das principais especialistas em resistência sísmica do país, reiterou que "os sismos não matam, o que mata são as construções". Ferreira criticou a falta de ação na proteção de infraestruturas críticas, como hospitais, que continuam a ser construídos sem as devidas proteções contra sismos, apesar dos alertas emitidos ao longo de mais de duas décadas (Ferreira, 2024).
Este tipo de negligência não é único a Portugal. Em muitos outros países, as advertências dos especialistas são frequentemente ignoradas ou subestimadas, levando a tragédias evitáveis. A resistência à implementação de medidas de construção mais seguras pode estar ligada a vários fatores, incluindo o custo elevado da modernização de infraestruturas, a falta de vontade política, e a corrupção no setor da construção. No entanto, como demonstram os exemplos do Japão e de outros países que têm levado a sério as advertências dos especialistas, o investimento em construções resistentes aos sismos pode salvar milhares de vidas e evitar danos materiais significativos a longo prazo.
Portanto, é crucial que os governos e a sociedade em geral comecem a levar mais a sério os alertas dados pelos especialistas em resistência sísmica. A implementação de normas rigorosas de construção, o reforço das infraestruturas existentes e a educação da população sobre como reagir em caso de sismo são medidas essenciais para minimizar o impacto de futuros eventos sísmicos. Se esses alertas forem ignorados, as tragédias causadas por sismos continuarão a ocorrer, transformando o que poderia ser um evento gerível numa catástrofe de grandes proporções.
"Cada edifício que desaba num sismo é um lembrete amargo de que a verdadeira ameaça não é a terra que treme, mas sim a nossa falta de preparação e visão a longo prazo."
Conclusão
A análise apresentada neste artigo sublinha a verdade fundamental de que os sismos, enquanto fenómenos naturais, não são os verdadeiros causadores de mortes e destruição em massa. O que realmente transforma um sismo numa catástrofe são as construções inadequadas, a falta de preparação e as políticas de construção insuficientes. A engenharia sísmica moderna oferece-nos as ferramentas para construir infraestruturas que podem resistir aos movimentos da Terra, mas a implementação dessas ferramentas depende da vontade política, da capacidade institucional e da educação pública.
Para mitigar os riscos associados aos sismos, é essencial que os governos, as organizações internacionais e as comunidades locais trabalhem juntos para garantir que as normas de construção sejam rigorosamente aplicadas e que as infraestruturas existentes sejam modernizadas para resistir a futuros sismos. Além disso, é crucial investir na educação pública para garantir que as populações saibam como responder a um sismo, minimizando o risco de ferimentos ou mortes.
Os exemplos do Japão, do Haiti e da Turquia mostram-nos que, embora os sismos sejam inevitáveis, as suas consequências não têm de ser catastróficas. Com uma preparação adequada e infraestruturas resilientes, podemos reduzir significativamente o impacto dos sismos e salvar vidas. No entanto, para alcançar este objetivo, é necessário um compromisso contínuo com a melhoria das práticas de construção e a educação pública, bem como uma vontade política forte para implementar e fazer cumprir as normas de segurança.
Em última análise, a frase "os sismos não matam, o que mata são as construções" serve como um lembrete poderoso de que o verdadeiro desafio não é a prevenção dos sismos, mas sim a preparação para eles. Ao enfrentar este desafio com seriedade e determinação, podemos garantir que os sismos se tornem eventos naturais, em vez de desastres mortais.
Referências
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